Os primórdios: o futebol paraibano antes do Auto Esporte

Após um período inativo, estamos de volta para falarmos mais sobre o passado e o presente do nosso querido Auto Esporte Clube. Porém, neste post pretendo mostrar um pouco mais da história de nosso futebol. 

Como era o futebol paraibano antes do surgimento do Auto Esporte Clube? Oficialmente, é sabido que o clube do povo foi fundado em 1936 no centro da capital. Porém, as origens do futebol na Paraíba remontam a cerca de duas décadas antes, mais precisamente no ano de 1908. Segundo nos conta Walfredo Marques, foi por intermédio de José Eugênio Soares e de outros estudantes que a primeira bola de futebol foi trazida para o nosso estado. Criaram o "Club de Football Parahyba" e o primeiro jogo ocorreu em local denominando "Sítio do Coronel Manoel Deodato", onde hoje se localiza a Praça da Independência, no bairro de Tambiá. O certame contou com a presença de "famílias e de grande massa popular, que não se cansavam de dirigir saudações aos componentes de tão bela diversão" (MARQUES, 1975, p.13). 

Praça da Independência nos anos 20, local aonde se realizou o primeiro jogo oficial de futebol em Parahyba do Norte. Destaque para o coreto à direita, e a fiação elétrica da empresa T.L.F.



Mais dois jogos seriam realizados, tendo desta vez a presença no local de um "público mais distinto", do então presidente de estado Monsenhor Walfredo Leal e do senador Álvaro Machado, além de membros das famílias mais abastadas da cidade de Parahyba do Norte. O espaço do jogo foi devidamente marcado e enfeitado com bandeiras ao redor. Uma arquibancada com as cadeiras cedidas pelo Teatro Santa Rosa foi improvisada para acomodar os convidados e uma banda marcial animava os espectadores. Os gols eram marcados com bandeiras coloridas, cada uma assinalando um tento para o time da respectiva cor. Também havia a presença de árbitros detrás de cada gol para que não houvesse dúvidas quanto ao mesmo. 


Os estudantes retornaram das férias de volta para o Rio de Janeiro onde estudavam, deixando a cidade sem Futebol por um bom tempo. Porém, a semente fora plantada e nos anos seguintes, foram surgindo diversos clubes amadores, cada um tentando dar seguimento ao esporte bretão, a exemplo do Parahyba United, o Redcross e o América, surgidos entre 1910 e 1911. Acompanhando o ritmo da expansão urbana da capital, os jogos de futebol passaram a ser realizados também no campo aberto da "estrada dos macacos", chamada assim devido à grande presença dos pequenos primatas naquela localidade, onde hoje atualmente é o cruzamento das avenidas Coremas e Pedro II. Jogos também eram realizados em campos abertos onde hoje se encontram as Avenidas João Machado e Camilo de Holanda.


Quadro do alvinegro Palmeiras Sport Club, campeão paraibano 1919 - 1921.  



O forte time do Cabo Branco, em 1923. Diferente de hoje, o clube ostentava as cores azul e branco. O alviceleste conquistaria o campeonato paraibano da LDP nove vezes, sendo até os dias atuais um dos clubes mais vitoriosos da história do futebol paraibano.



Em 1915, surge o Cabo Branco, que viria a se tornar um dos mais importantes clubes da história do futebol paraibano. Em 1917, surgiu o Palmeiras, originado do antigo Parahyba Football Club (nenhuma ligação com o Palmeiras de SP). Nos anos seguintes, também apareceriam o Royal, o Pytaguares e o rubro-negro América Football Club, sendo este último o de mais destaque, fundado em 1923 e que viria a constituir uma grande rivalidade com o Cabo Branco nos anos seguintes.


O rubro-negro América Foot-ball Club, o "club amado das mulheres", campeão paraibano de 1923.



Juntos, Cabo Branco, América e Palmeiras formavam o "trio de ferro" do futebol da capital, sendo estes os clubes mais fortes e influentes. Como característica em comum, possuíam o fato de terem se originado através das elites da capital. Nos primeiros anos, o futebol brasileiro era um esporte essencialmente elitista, sendo praticado apenas dentro de clubes ou de colégios. Mais do que uma simples distração para os ricos, o "football" era visto como um sinônimo da modernidade e sua prática, assim como a de outros esportes, era incentivada como um benefício para a saúde e na "modelação dos corpos e das mentes". O discurso da modernidade e o progresso, que seriam alcançados através de belos corpos atléticos modelados pelos esportes é muito comum nesta época, com exageradas comparações dos jogadores de futebol, como gladiadores, figuras reencarnadas dos antigos guerreiros da Grécia e da Roma antigas. 

O Club do Remo foi o primeiro registro conhecido da tentativa de se implantar um clube náutico na Paraíba. A expansão urbana da capital para as praias só ocorreria décadas depois. Logo, seus sócios organizavam exibições e corridas de regatas no Rio Sanhauá.




Além dos principais clubes esportivos, também figurava o Club do Remo, fundado em 1921 com o objetivo da prática de regatas e outros esportes náuticos, ele também possuía um quadro de futebol, constituindo-se no Sanhauá Football Club. O club do remo realizava suas atividades náuticas ao largo do Rio Sanhauá, próximo onde hoje se encontra a comunidade do Porto do Capim, bairro do Varadouro.


O Sanhauá Football Club foi um clube de futebol constituído por elementos do Club do Remo. A agremiação dividia suas atividades entre a prática náutica e futebolística.

Em suas sedes, as diretorias dos clubes paraibanos mais ricos procuravam mostrar-se através de suntuosas festas organizadas pelos seus membros, não raramente tendo patrocínio das autoridades do governo municipal e estadual. Ao final das partidas, os sócios dos clubes, homens e mulheres, vestiam suas melhores roupas e festejavam pelo resto da noite, regados a boa comida e bebida e ao som de foxtrot e jazz-bands. 
Sócios do Cabo Branco vestidos com traje de gala em uma ocasião chic na sede do clube. Os clubes da elite promoviam suntuosas festas aos seus torcedores.



Na década de 1920, a principal praça de esportes da capital era o campo do "Hyppodromo Parahybano", localizado onde é hoje fica a rua das Trincheiras. A então Liga Desportiva Parahybana (antecessora da atual FPF) passou a organizar o campeonato da cidade naquela localidade, que era administrada pelo Cabo Branco. O local possuía alambrado e arquibancada, todos feitos de madeira bem trabalhada. Em dias festivos, a arquibancada era enfeitada com bandeiras coloridas e palhas de coqueiro, onde a torcida se acomodava confortavelmente. Por outro lado, a assistência ficava no alambrado acompanhando o jogo. É preciso frisar que nesta época, a "Torcida" não era todo o público presente, mas apenas os sócios e convidados especiais, além das mulheres da elite que sentavam confortavelmente na arquibancada, cada uma apoiando seu respectivo clube. A assistência, pelo contrário, era o resto dos espectadores que podiam pagar para vislumbrar o espetáculo, mas que devido à falta de espaço, se amontoavam no alambrado e dali torciam pelo seu clube predileto.



A diferença entre a Assistência (acima) e a Torcida (abaixo). A primeira era constituída por expectadores mais comuns, mas que podiam pagar para ver o espetáculo, se amontoando no alambrado. A segunda era constituída dos sócios dos clubes e convidados, que confortavelmente sentavam nas arquibancadas enfeitadas. No estádio de futebol, as distinções sociais eram visíveis.






Nos amistosos interestaduais com os clubes de outros estados, uma enorme recepção ocorria para as delegações visitantes, com centenas de pessoas se amontoando na antiga estação de trem da Great Western (atual estação de trem de João Pessoa) para recebê-los e saudá-los. Naqueles anos, os trens eram os meios de transporte mais importantes e interligavam as capitais entre Natal, Parahyba e Recife. O futebol agitava a cidade, passando a fazer parte do cotidiano da mesma. Os locais dos jogos, bem como os clubes, passaram a ser importantes espaços de sociabilidade, aonde as pessoas se encontravam e se divertiam de diversas maneiras. Nas ruas, nos bondes, cafés e clubes, o futebol era um dos assuntos mais comentados. Com o futebol tomando proporções cada vez maiores, tornou-se inevitável a sua popularização na medida em que o esporte foi se tornando cada vez menos restrito aos clubes da elite.


A antiga estação de trem da "Great Western" em 1922, atual estação de trem de João Pessoa, localizada em frente à praça Álvaro Machado, bairro do Varadouro.


A população da capital no geral também acompanhava, ainda que de maneira mais tímida, o futebol. É possível que nos bairros mais distantes do centro (Roger, Jaguaribe, Cruz das Armas, Torre, etc), nos arredores da cidade onde "a ralé" residia, tenha começado a prática do chamado "futebol de várzea" e ali se formado muitos jogadores de qualidade e, consequentemente, a criação de clubes amadores de futebol. A popularização do futebol pode ter se devido também dentre inúmeros fatores, à questão da recompensa. No amadorismo, os jogadores não eram assalariados e jogavam por puro prazer pelo esporte, ou seja, eles tinham tempo para praticar o esporte, situação que não era partilhada pelos demais. Mas com o passar dos anos, os clubes começaram a oferecer recompensas para que jogadores de condições sociais inferiores disputassem os campeonatos. Em troca pelo bom desempenho na partida, um jogador poderia receber alguns contos de réis, bens de consumo duráveis, bebidas e até prostitutas eram oferecidas. Nos anos 30 esta atividade torna-se cada vez mais comum e nos anos 40 com a profissionalização do futebol, os clubes passaram a pagar salários para o elenco.



Com isso, os antigos clubes amadores ligados às elites, não resistiriam à nova realidade do futebol. Neste novo contexto da popularização do futebol, surgiram clubes mais ligados às classes populares, a exemplo do Tibiry Football Club, da cidade de Santa Rita, fundado por operários da fábrica de tecidos Tibiry em 1926, o Sol Levante, fundado em 1932, por operários da Fábrica Mattarazzo, o Felipéia Esporte Clube, fundado na Vila de Barreiras (atual Bayeux) em 1933, o nosso querido AUTO Esporte Clube, criado a partir da iniciativa de membros do sindicato dos motoristas da capital no "Ponto de 100 réis" (Praça Vidal de Negreiros), em 1936 e o Central Elétrica, fundado por funcionários de uma companhia de eletrificação que se localizava na povoação "Índio Piragibe", em 1938.


O famoso Ponto de 100 réis (Praça Vidal de Negreiros), local de nascimento do Auto Esporte Clube, por iniciativa de motoristas ativos no movimento sindical. A partir dos anos 30, vários clubes de futebol foram criados a partir de organizações trabalhadoras de classe.



FONTES:

MARQUES, Walfredo. A História do Futebol Paraibano. A União, 1975.

GOMES, George Henrique de Vasconcelos. "A diversão de todos preferida": o futebol no cotidiano da cidade de Parahyba do Norte (1908 - 1926). Trabalho de Conclusão do Curso de História (Lic.) da UFPB, Setembro de 2014.

FOTOGRAFIAS:

Revista ERA NOVA, 1920 - 1923.

Acervo Gilberto Stuckert.


Comentários

  1. Oi Meu caro George. Parabéns pelo TCC e o trabalho de pesquisa excelente que você acrescentou à história da Paraíba e do futebol paraibano. Como faço para ter acesso e ler na íntegra o trabalho de conclusão do seu curso?

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